Às 19h desta quarta-feira (9), a procuradora-chefe da Procuradoria Tributária de Porto Alegre, Cristiane Nery, participa da primeira edição do Ciclo de Debates promovido pela ANPM, com o tema “Reforma Tributária: Visão dos Municípios”. A reportagem da APMPA conversou com a procuradora sobre o tema. Confira:
A senhora participa, nesta quarta-feira (9), de uma palestra que trata da “Reforma Tributária na Visão dos Municípios”. Qual a visão dos municípios em relação a este tema?
A principal questão que se coloca para os municípios, observando os princípios federativos a que estamos submetidos pelo regime constitucional vigente, é a preservação da autonomia municipal, que deve ser integral, ou seja, deve abranger também a viabilidade financeira local. O ISSQN é o imposto mais estável e de melhor performance fiscal em 10 anos, segundo levantamento realizado pela Frente Nacional de Prefeitos. Em Porto Alegre, ele corresponde a aproximadamente 47% da receita própria. As projeções das Propostas de Emendas Constitucionais apresentadas e que pretendem a extinção desse imposto, com a unificação em um só, não acompanham de forma alguma a projeção de seu crescimento. A PEC 45/19 unifica para criar o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), centralizando o recolhimento na União que repassará aos municípios o que for de sua competência dentro do percentual total do novo Imposto. A PEC 110/19 unifica para criar o IBS, na proposta inicial IVA (Imposto sobre Valor Adicionado), cujo repasse aos municípios será feito pelos Estados, no percentual que couber no novo Imposto. O prazo de transição é de 10 anos para unificação total dos impostos e de 50 anos na PEC 45 para ajustes financeiros entre os entes da federação. Em todas as propostas, portanto, é previsto repasse aos municípios, que perdem a competência plena sobre o imposto, além de afastar do cidadão os recursos públicos que são destinados à implementação de políticas públicas, quando justamente deveria se defender o oposto. É preciso promover simplificação de forma viável, sem ferir a autonomia dos municípios e sem lhes retirar recursos. Nesse momento em que, principalmente, os municípios aumentaram consideravelmente os gastos e investimentos nas políticas sanitárias de combate à pandemia pela covid-19, isso deve ser levado em consideração. Entretanto, as principais PECs em tramitação e antes citadas desconsideram totalmente o momento vivenciado, bem como os reflexos dele para o futuro. Reflexos esses que serão para sempre na alteração do setor de serviços, por exemplo, com a mudança na forma de prestação e no surgimento de novos serviços. Sem esquecermos que o setor com maior tendência de crescimento é justamente o setor de serviços. Precisamos pensar nas desonerações que hoje são muitas e de setores economicamente privilegiados, precisamos pensar em alterar o sistema tributário que é regressivo e propor mudanças que, de fato, garantam justiça tributária, transparência e, com isso, facilitem a informação pelo contribuinte e a correta recuperação de créditos pelo ente público, que deve ter condições, por seu corpo técnico, de efetivar mecanismos de transação, de negócios jurídicos processuais, de garantir gestão fiscal eficiente.
Na sua avaliação, municípios serão beneficiados ou prejudicados pela reforma? E por quê?
Depende da Reforma que se pretende fazer. Com as principais PECs em tramitação, a 45 e a 110, a perda financeira será imensa e essa perda será da sociedade! São os municípios que carregam a responsabilidade pela prestação da maior parte dos serviços públicos, como antes referido, e os recursos auferidos são os que dão conta da aplicação em políticas públicas, ou seja, devem reverter para a coletividade. Nisso, não há mágica! A defesa do fortalecimento e do investimento na arrecadação própria, enquanto não há revisão do pacto federativo (o que julgo necessário antes da reforma tributária, tendo em vista a repartição de competências e responsabilidades ser inversamente proporcional à repartição do bolo tributário), é algo que se impõe ao país se efetivamente quisermos crescimento com prestação eficiente de serviços públicos. Em um primeiro momento, as reformas constitucionais assim propostas podem parecer um ganho a municípios de pequeno porte que hoje não possuem estrutura para cobrar seus impostos, mas a dependência será cada vez maior. E aqui cabe a discussão, então, sobre a capacidade de existência de determinados municípios na federação brasileira, pois se não possui estrutura própria para dar conta de suas atribuições e competências constitucionais, talvez não possua condições sequer de existir enquanto ente autônomo. E esse debate precisa ser feito de forma responsável, para o bem do próprio país e continuidade do estado lato sensu.
Como seria a reforma ideal para municípios?
Definitivamente não é o momento para reformas constitucionais que retirem recursos e autonomia municipais, ou seja, violem o princípio federativo, colocando em risco a prestação de serviços essenciais, que são os cabíveis às municipalidades. Necessitamos da lógica inversa, a meu ver, privilegiando o cidadão sem desconsiderar a Constituição Brasileira e aproximando os recursos públicos do destinatário das políticas públicas. Nesse sentido, surge como alternativa o movimento Simplifica Já, que merece a devida atenção pela viabilidade apresentada, sem retirar a manutenção do ISS das municipalidades e hoje concretizado pela atual Emenda Substitutiva Global 144, que tramita no Senado Federal. É uma alternativa de simplificação do Sistema Tributário que sustenta não gerar distorções econômicas, não gerar aumento de carga tributária e, principalmente, preservar o equilíbrio financeiro de todos os entes da federação.